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Acordo entre EUA e China: bipolaridade e trégua para o comércio global

Atualizado: 8 de jul.

Acordo pode trazer tempos de paz para o comércio entre os países, mas mundo sentirá os reflexos da tratativa, escreve Renata Amaral, da American University


Por Renata Amaral

Publicado na revista EXAME em 15/01/2020


Aparentemente, 2020 começa com mais um gol do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Pelo menos é nesse tom que ele tem feito muito barulho sobre o acordo de comércio entre Pequim (China) e Washington. Assinada nesta quarta-feira (15), na Casa Branca, a primeira fase do acordo comercial entre os dois gigantes tem causado tensão dos mercados e expectativas ao redor do globo.


Desde dezembro do ano passado, quando Trump anunciou a conclusão da primeira fase de um mega acordo entre Estados Unidos e China, o mercado aguarda ansiosamente pela liberação do texto que revelará o compromisso entre os países. Naquele momento, o documento que foi divulgado pelo USTR (sigla em inglês do Escritório da Autoridade Comércio dos EUA) indicava um “acordo histórico” com compromissos chineses que precediam reformas estruturais e mudanças em aspectos econômicos. Entre eles, temas sensíveis de propriedade intelectual (como a transferência de tecnologia), compras de produtos agrícolas e bens manufaturados americanos, energia, remoção de barreiras a serviços financeiros americanos e uma significativa expansão de comércio entre as duas economias.


Sem atacar problemas de fundo que os americanos têm com a administração da economia por parte do governo chinês, os números relativos a expansão de comércio que constava na publicação do USTR indica o compromisso dos asiáticos de importar vários bens e serviços dos Estados Unidos nos próximos dois anos em um valor total que excede o nível anual de importações da China para esses bens e serviços em 2017 (antes da guerra comercial). Serão nada menos que US$ 200 bilhões ao longo de dois anos, com vistas a reduzir um déficit comercial bilateral dos Estados Unidos que chegou a US$ 420 bilhões em 2018. Um dos principais objetivos desta primeira fase do acordo, portanto, é justamente amenizar o déficit comercial americano em relação à China.


Acordo entre Estados Unidos e China e a campanha eleitoral de 2020


Estados Unidos e China tem excelentes negociadores, e não são só os americanos que ganham com a assinatura desse acordo. Aliás, já na última segunda-feira (13) o Tesouro americano retirou a China da lista de países manipuladores de moeda, um primeiro sinal dos benefícios conferidos aos chineses. Como parte do acordo, Pequim se comprometeu a não manipular o valor da moeda em troca de uma suspensão parcial das taxas alfandegárias impostas por Washington sobre os bens importados da China.


O texto assinado hoje na Casa Branca confirma o que já havia sido antecipado pelo documento de 1 página e meia divulgado em dezembro do ano passado. Sua assinatura, aliás, foi um claro ato eleitoreiro por parte de Trump. Não à toa, o vice-presidente, Mike Pence, começou seu discurso dizendo que aquele seria bom dia para a América, para a China e para o mundo, e o presidente Trump fez questão de dedicar boa parte do discurso dizendo aos agricultores e produtores americanos que não precisariam mais se preocupar.


Para além da redução de tarifas, o acordo impulsiona compras chinesas e foca em alvos numéricos: a compra por parte dos chineses de US$ 200 bilhões em bens fabricados nos EUA nos próximos dois anos, compra de US$ 75 bilhões em manufaturados, compra de US$ 50 bilhões em energia e compra de até US$ 50 bilhões em produtos agrícolas.


A celebração de hoje, no entanto, não significa o fim da guerra comercial, tampouco anula a maior parte das tarifas impostas pelos EUA de aproximadamente US$ 360 bilhões sobre produtos originários da China. Também não inclui problemas estruturais do sistema econômico chinês – como subsídios às empresas domésticas e uma economia de mercado não capitalista -, parte central das reclamações do governo americano. Ou seja, os problemas de fundo não são resolvidos e o acordo apenas exige que o governo chinês reoriente suas compras para os EUA.


O acordo com a China era uma das promessas de campanha de Trump para 2020. Claramente, o que se viu hoje traz respostas e acalenta uma parte importante de sua base eleitoral, que é formada pelos agricultores. Com efeito, um dos resultados da guerra comercial travada com a China desde 2018 foi a perda de mercado de produtos agrícolas americanos para outros concorrentes internacionais importantes, como o Brasil. Muitos produtores sentiam-se traídos pelo presidente e estavam considerando, inclusive, votar em um democrata. Pelo menos por enquanto, os ânimos irão se acalmar.


Onde fica o Brasil nesse quebra-cabeça? O agro e a OCDE


O Brasil aproveitou de benefícios concretos da guerra comercial entre EUA e China nos últimos dois anos. Com efeito, 2018 e 2019 registram recordes para nossas exportações de carne, soja, algodão e outras commodities para a China. Vale observar que, nos produtos do agronegócio, fatores alheios à guerra comercial, como a peste suína na China, colaboraram expressivamente para o aumento das nossas exportações de carne de porco para o país no último ano. De qualquer maneira, os números registrados pelo Brasil indicam que o país foi beneficiado pela batalha entre os gigantes (o que não passou despercebido nem por Trump, nem pelos produtores norte-americanos) e esse acordo agora deve respingar em nossas exportações para a China.


Com todos esses sinais, é tarefa do Brasil procurar incrementar seu acesso a outros mercados importantes da Ásia (e Oriente Médio – já na mira do atual governo). O setor privado soube aproveitar as oportunidades temporárias advindas da guerra comercial, mas agora é bom momento de o Brasil ser criativo, aproveitar o otimismo dos mercados. É hora de usar as bases e redes criadas, o potencial exportador, a reputação e competitividade do nosso agronegócio para acessar novos mercados e consolidar pontes deixadas em segunda plano em razão do êxtase com as compras feitas da China dos últimos dois anos.


Ainda sobre o Brasil, importa destacar que também hoje, em reunião em Paris, os Estados Unidos decidiram apoiar irrestritamente a entrada do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), um possível ato de simpatia para com o país despois de tantas declarações de boa vontade por parte do Brasil em 2019 sem reciprocidade (lembremos, por exemplo, do aumento da quota de etanol para os Estados Unidos e a liberação de visto para os americanos).


Para o Brasil a notícia é boa. Acelerar a adesão do país à OCDE fará bem à imagem internacional do país, significa estímulo à melhoria do ambiente de negócios e ao alinhamento à melhores práticas regulatórias internacionais. Também contribui para o fortalecimento das instituições brasileiras e do compromisso do Brasil com mudanças internas e estruturais há muito tempo desejadas.


Problemas com compromissos de ambos os países na OMC


A falta de transparência, e o claro tratamento discriminatório entre os membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) estão entre as aparentes violações do Acordo Comercial entre China e EUA perante as regras do comércio multilateral.


Um dos pilares das regras da OMC é justamente que seja concedido tratamento não-discriminatório entre todos os seus 164 membros. O comércio administrado entre Estados Unidos e China, com promessas de compras e vendas entre os dois países e concessão de benefícios bilaterais que não serão estendidos a outros membros da OMC ferem diretamente um dos pilares da organização sediada em Genebra. A ver como se comportarão países terceiros nessa nova formatação do comércio bilateral entre os dois gigantes, uma formatação que afetará o comércio do mundo inteiro.


Finalmente, é interessante observar que ao passo que hoje os EUA assinam acordo com a China sem dar importância para os seus compromissos perante a OMC, ontem, 14 de janeiro, Robert Lighthizer, Representante de Comércio dos Estados Unidos, Kajiyama Hiroshi, Ministro da Economia, Comércio e Indústria do Japão, e Phil Hogan, Comissário Europeu para o Comércio, reuniram-se em Washington e publicaram uma declaração conjunta sobre a necessidade de fortalecer as regras da OMC sobre subsídios industriais. Basicamente, essas autoridades afirmam que a lista atual de subsídios proibidos, prevista no Artigo 3.1 do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias (ASCM) da OMC, é insuficiente para combater os subsídios que distorcem o mercado e o comércio, e que há necessidade de revisão e expansão da lista.


Mesmo com uma trégua temporária entre os dois maiores players do mundo e uma calmaria bem recebida pelas bolsas internacionais (já que cerca de 40% do PIB mundial está, teoricamente, em “paz”), 2020 promete ainda mais fortes emoções para quem acompanha o comércio internacional.


*Renata Amaral é doutora em Direito do Comércio Internacional, professora Adjunta na American University, em Washington DC e fundadora da rede Women Inside Trade


fonte: Revista EXAME

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